segunda-feira, maio 01, 2006

A questão social em França

Escreveu um dia o Director do IJI, Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha (in Lições de Filosofia Jurídica – Natureza e Arte do Direito, Coimbra, Almedina, 1999, p. 104), que o direito natural é uma espécie de despertador, que não deixa o direito positivo, nem a doutrina, nem a filosofia do direito adormecerem, sobretudo no “utópico sonho da razão que só engendra monstros” (itálico no original). Estou totalmente de acordo. Creio aliás que, pedagogicamente, o direito natural pode servir, entre outras coisas, para domesticar monstros, que, muitas vezes, não passam de criaturas assustadas e perdidas (como o elefante diante do passarinho, muito propriamente chamado “elefantinho”, no poema homónimo de Vinicius de Moraes), que só por falta de compreensão metem muito medo. Não será esse o caso do Estado contemporâneo e de alguns dos seus epifenómenos, de que o mais falado é talvez a crise das finanças públicas? Parece ser sensato olhar para os monstros, não para seguirmos as suas sombras ou as suas retintas imagens, engalfinhados às suas ordens, mas para, com inteligência, os restituirmos à sua humanidade.
Diz ainda o Professor Paulo Ferreira da Cunha, na pág. 105 da obra citada, em palavras que, novamente, subscrevo por inteiro, que “o guardião do direito natural é o bom-senso”: para se discutir um assunto é necessário estudá-lo primeiro, no pressuposto de que se está já capacitado com a razão e a sensibilidade suficientes para propor soluções justas.
No Dia do Trabalhador que hoje celebramos (e digo “celebramos”, porque, afinal de contas, é um feriado político), pensei num exercício de direito natural. O exemplo chega-nos, uma vez mais, de França, e, ainda agora, como no caso dos bombeiros franceses, a sua “espessura” é universal. A questão é a seguinte, percorrendo diversos rios confluentes: as novas que nos chegam de França, com a polémica em torno do cauteloso, e já derrotado, Contrato do Primeiro Emprego, significam o quê? São, como pretendem muitos, unicamente a perversão do sistema capitalista de divisão do trabalho? Ou são também a expressão de que não há iniciação ao mundo do trabalho e à profissionalização? Ou serão indício de uma inadequação entre o sistema de formação e o sistema de produção? Por que protestam os jovens? Porque não sabem se têm vínculo ao trabalho? Ou porque não aceitam as razões por que não terão vínculo?
Diante de razões aparentemente acabadas e conflituantes, quando novas acções de luta se anunciam em França e tudo se põe em questão, é boa ocasião para dizermos, com sólidos fundamentos, qual é o direito que cabe aos estudantes (a cada um deles, pessoalmente) e qual é a ordem política justa. O que é que resta dos escombros do Estado que já não segura a todos, no qual o direito, no mesmo metro geográfico, se confunde em diversos direitos e interesses aparentemente apartados? O que é o caminho e o que fazemos nós? Como andamos nós? A pé ou de avião? Será que o direito das empresas e o direito do trabalho se marcam ainda mutuamente? Com que sentido e novidade? Será que o direito constitucional já só marca passo? Será que o direito europeu recuou perante as contradições insanáveis da realidade? Volto a perguntar: por que protestam os jovens? Que resposta dá o Direito à voz do futuro que se expressa na sua luta?
Tomei a ousadia de iniciar uma discussão. Darei a conhecer a minha posição sobre a questão brevemente.

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