"Pelas veredas da lusofonia", artigo já publicado no Primeiro de Janeiro, procura exprimir de forma breve algumas impressões alusivas a uma passagem recente por Moçambique e pelo Brasil.
Aqui vai o texto:
Desde a minha última crónica tive o grato privilégio de visitar dois países lusófonos, Moçambique e o Brasil.
No primeiro caso integrado numa visita de estudo patrocinada pelo Instituto Nacional de Administração no âmbito do seu diploma de especialização em cooperação para o desenvolvimento, no segundo, a convite da Escola Paulista de Direito para, por ocasião da realização da 1ª Jornada Paulista de Direito Previdenciário, aí proferir uma alocução sobre a segurança social em Portugal, onde procurei traçar uma panorâmica sobre a sua situação actual e desafios futuros, num tema a que, pela sua importância e interdisciplinaridade, sou modesta mas entusiasticamente afecto.
Desculpará o caro leitor que concite, o que não é meu hábito, a sua involuntária ingerência em episódios do foro pessoal que apenas trago aqui à colação, não para revelar, por inapropriados, pormenores da minha história de vida, mas para melhor esclarecer a “razão de ciência” desta crónica e, emprestar-lhe, quiçá, maior verosimilhança e impressividade, assim a modos que um “saber de experiência feito” ou, ao menos, uma opinião vazada nos moldes da experiência, por curta e precária que possa ter sido.
De Moçambique fiquei com a ideia de um país finalmente pacificado e reconciliado com a sua história recente onde progressivamente se vão esbatendo as mazelas de uma guerra civil que opôs a Frelimo e a Renamo e dividiu a nação moçambicana.
No plano político e institucional afigurou-se-me notória, sem curar aqui do seu arrimo popular e da sua base social de apoio, a prevalência da Frelimo como força política mais representativa.
O que seria um lugar-comum atendendo apenas à sua condição de partido do governo, que o foi sempre, desde a independência, mas que resulta sobretudo da sua inequívoca implantação em todo o território, num esforço organizativo sistemático e continuado que surpreende pela sua eficácia num país extenso e debilmente infra-estruturado.
À sombra das rubras acácias que então começavam a florir na Maputo de hoje, traçada a régua e esquadro e que conserva ainda na sua fisionomia, desgastados embora, simbólicos traços da vetusta arquitectura colonial, viceja uma metrópole movimentada e expansiva, colorida pela garridice dos trajes das mulheres moçambicanas e pela presença marcante das criança e dos jovens, penhor indispensável, pois outro não se conhece, da esperança no futuro.
Nação multi-étnica e multi-linguística e conquanto não tenha ficado imune aos atractivos citadinos e à deslocação das populações para o litoral mormente nos anos de guerra, Moçambique apresenta uma das mais baixas taxas de urbanização do mundo.
E é justamente no mundo rural que reside uma das chaves do crescimento do país e do seu progresso económico na etapa em que se encontra do seu processo de desenvolvimento.
Servido por uma população maioritariamente agrária, o país precisa sobretudo de aumentar e diversificar a sua produção agrícola logrando, destarte, resgatar as populações da pobreza e da fome, criar as condições para combater eficazmente as doenças – a malária é ainda a principal causa de morte e o SIDA conserva-se a níveis preocupantemente elevados – e, bem assim, aumentar drasticamente os índices de escolarização, pois não há no mundo de hoje progresso que se auto-sustente descurando a educação e o saber e que são, ademais, condição essencial à dignidade e ao desenvolvimento integral do homem.
Se há matéria onde Portugal pode e deve ter uma palavra a dizer nos seus esforços de cooperação com os países da lusofonia é sem dúvida no domínio da educação, tirando partido desse inestimável património comum que é a língua e, ainda, em particular nos países que saíram da descolonização, exceptuando-se por isso aqui o Brasil, no tocante ao apoio à melhoria da governação em matérias como a reforma dos sectores públicos, formação de dirigentes, capacitação institucional e outras, cujo denominador comum assenta na tendencial homologia dos vários ordenamentos jurídicos, em grande medida ainda herdados do passado colonial e relativamente conservados nos seus princípios e traços essenciais.
Do Brasil muito haveria para dizer ao que, naturalmente, a inevitável concisão destas crónicas não se presta.
Mais do que um Brasil há por certo muitos “Brasis” num país continental, morfologicamente diverso, contrastante na sua paisagem económica e social, em que o ritmo trepidante e febril das suas múltiplas metrópoles se antepõe ao primitivismo telúrico de paragens só ao de leve tocadas pela presença humana.
Falta a Portugal redescobrir o Brasil.
O Brasil de António Vieira, Manuel da Nóbrega, José Anchieta, de um Agostinho da Silva, para só lembrar alguns excelsos abencerragens da pátria lusa, Brasil cujo carácter ajudaram a moldar e a morigerar sob o influxo da língua, da fé e da cultura, sem apagamento, antes confluindo e imbricando-se, nos seus elementos autóctones, num concerto harmonioso a que o elemento africano veio ainda conferir novos matizes, fazendo do Brasil a sociedade multiracial que é hoje.
Falta a Portugal descobrir no país irmão, no brasileiro, o “homem cordial” como o cunharia Sérgio Buarque de Holanda na sua mais conhecida obra “Raízes do Brasil”.
Dizia o insigne intelectual brasileiro, em nota à segunda edição do seu livro datada de 1947 e para afastar a ambiguidade e controvérsia que a sua tese suscitara anos antes, que “ a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado “ (itálico nosso).
É isto a meu ver que une portugueses e brasileiros, essa cordialidade que de pronto se sente no primeiro contacto e que promete deixar-nos ir onde nos leva o coração.
Aqui vai o texto:
Desde a minha última crónica tive o grato privilégio de visitar dois países lusófonos, Moçambique e o Brasil.
No primeiro caso integrado numa visita de estudo patrocinada pelo Instituto Nacional de Administração no âmbito do seu diploma de especialização em cooperação para o desenvolvimento, no segundo, a convite da Escola Paulista de Direito para, por ocasião da realização da 1ª Jornada Paulista de Direito Previdenciário, aí proferir uma alocução sobre a segurança social em Portugal, onde procurei traçar uma panorâmica sobre a sua situação actual e desafios futuros, num tema a que, pela sua importância e interdisciplinaridade, sou modesta mas entusiasticamente afecto.
Desculpará o caro leitor que concite, o que não é meu hábito, a sua involuntária ingerência em episódios do foro pessoal que apenas trago aqui à colação, não para revelar, por inapropriados, pormenores da minha história de vida, mas para melhor esclarecer a “razão de ciência” desta crónica e, emprestar-lhe, quiçá, maior verosimilhança e impressividade, assim a modos que um “saber de experiência feito” ou, ao menos, uma opinião vazada nos moldes da experiência, por curta e precária que possa ter sido.
De Moçambique fiquei com a ideia de um país finalmente pacificado e reconciliado com a sua história recente onde progressivamente se vão esbatendo as mazelas de uma guerra civil que opôs a Frelimo e a Renamo e dividiu a nação moçambicana.
No plano político e institucional afigurou-se-me notória, sem curar aqui do seu arrimo popular e da sua base social de apoio, a prevalência da Frelimo como força política mais representativa.
O que seria um lugar-comum atendendo apenas à sua condição de partido do governo, que o foi sempre, desde a independência, mas que resulta sobretudo da sua inequívoca implantação em todo o território, num esforço organizativo sistemático e continuado que surpreende pela sua eficácia num país extenso e debilmente infra-estruturado.
À sombra das rubras acácias que então começavam a florir na Maputo de hoje, traçada a régua e esquadro e que conserva ainda na sua fisionomia, desgastados embora, simbólicos traços da vetusta arquitectura colonial, viceja uma metrópole movimentada e expansiva, colorida pela garridice dos trajes das mulheres moçambicanas e pela presença marcante das criança e dos jovens, penhor indispensável, pois outro não se conhece, da esperança no futuro.
Nação multi-étnica e multi-linguística e conquanto não tenha ficado imune aos atractivos citadinos e à deslocação das populações para o litoral mormente nos anos de guerra, Moçambique apresenta uma das mais baixas taxas de urbanização do mundo.
E é justamente no mundo rural que reside uma das chaves do crescimento do país e do seu progresso económico na etapa em que se encontra do seu processo de desenvolvimento.
Servido por uma população maioritariamente agrária, o país precisa sobretudo de aumentar e diversificar a sua produção agrícola logrando, destarte, resgatar as populações da pobreza e da fome, criar as condições para combater eficazmente as doenças – a malária é ainda a principal causa de morte e o SIDA conserva-se a níveis preocupantemente elevados – e, bem assim, aumentar drasticamente os índices de escolarização, pois não há no mundo de hoje progresso que se auto-sustente descurando a educação e o saber e que são, ademais, condição essencial à dignidade e ao desenvolvimento integral do homem.
Se há matéria onde Portugal pode e deve ter uma palavra a dizer nos seus esforços de cooperação com os países da lusofonia é sem dúvida no domínio da educação, tirando partido desse inestimável património comum que é a língua e, ainda, em particular nos países que saíram da descolonização, exceptuando-se por isso aqui o Brasil, no tocante ao apoio à melhoria da governação em matérias como a reforma dos sectores públicos, formação de dirigentes, capacitação institucional e outras, cujo denominador comum assenta na tendencial homologia dos vários ordenamentos jurídicos, em grande medida ainda herdados do passado colonial e relativamente conservados nos seus princípios e traços essenciais.
Do Brasil muito haveria para dizer ao que, naturalmente, a inevitável concisão destas crónicas não se presta.
Mais do que um Brasil há por certo muitos “Brasis” num país continental, morfologicamente diverso, contrastante na sua paisagem económica e social, em que o ritmo trepidante e febril das suas múltiplas metrópoles se antepõe ao primitivismo telúrico de paragens só ao de leve tocadas pela presença humana.
Falta a Portugal redescobrir o Brasil.
O Brasil de António Vieira, Manuel da Nóbrega, José Anchieta, de um Agostinho da Silva, para só lembrar alguns excelsos abencerragens da pátria lusa, Brasil cujo carácter ajudaram a moldar e a morigerar sob o influxo da língua, da fé e da cultura, sem apagamento, antes confluindo e imbricando-se, nos seus elementos autóctones, num concerto harmonioso a que o elemento africano veio ainda conferir novos matizes, fazendo do Brasil a sociedade multiracial que é hoje.
Falta a Portugal descobrir no país irmão, no brasileiro, o “homem cordial” como o cunharia Sérgio Buarque de Holanda na sua mais conhecida obra “Raízes do Brasil”.
Dizia o insigne intelectual brasileiro, em nota à segunda edição do seu livro datada de 1947 e para afastar a ambiguidade e controvérsia que a sua tese suscitara anos antes, que “ a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado “ (itálico nosso).
É isto a meu ver que une portugueses e brasileiros, essa cordialidade que de pronto se sente no primeiro contacto e que promete deixar-nos ir onde nos leva o coração.
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