Do Público de hoje consta um artigo do jornalista António Arnaldo Mesquita dando conta que "O penalista Figueiredo Dias admitiu, anteontem à noite, num debate no Museu de Serralves, no Porto, a licitude da prova recolhida por agentes infiltrados e homens de confiança na investigação do terrorismo, do crime organizado e de graves danos ambientais. Confessando que há duas décadas não subscreveria estas posições, Figueiredo Dias justificou a mudança de opinião com as alterações patentes na 'sociedade de risco' contemporânea, em que 'aconteceu algo de completamente novo'.
O risco de atentado nuclear é uma realidade e pode concretizar-se, admitiu Figueiredo Dias. 'Vivemos a ameaça de ver desaparecer a vida do planeta', alertou, frisando a utilidade do recurso a agentes encobertos, ou a homens de confiança, para localizar, por exemplo, um terrorista com uma bomba nuclear no bolso nas ruas de Nova Iorque.
A este propósito, Figueiredo Dias realçou a evolução jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - que reconhece a licitude daqueles meios de recolha de prova. 'Não quero que me dêem razão, mas já fico contente que fiquem a pensar nisso.'
No debate com o filósofo António Pedro Pita e com o catedrático de Direito Paulo Ferreira da Cunha, Figueiredo Dias preconizou uma postura interventiva do direito penal. Demarcou-se da Escola de Frankfurt, para quem o 'direito penal não tem nada a ver com isso' [os problemas da sociedade de risco]. Demarcou-se, também, dos que defendem a auto-regulação dos agentes sociais. 'Tenho netos e não quero isso para eles', assegurou.
O penalista, que é o rosto da Escola de Coimbra, também não poupou o securitarismo, bem espelhado em dois slogans: Tolerância zero e À segunda, ficas fora (Twice, you're out). Realçou que nos Estados Unidos está a aumentar a influência da chamada 'socialização do humanismo'. Princípios que já não se circuncrevem aos penalistas das universidades de Yale e de Boston, 'mas também são defendidos em Los Angeles e São Francisco'. 'Recuso-me a acreditar que a humanidade vá por aí', afirmou.
O debate foi iniciado com a clarificação de conceitos. Figueiredo Dias sublinhou que crime não é igual a pecado. O direito penal não é moral e a pena não é uma descida às profundezas dos infernos. 'O meu negócio', explicou. 'É o dos homens, não é o de Deus, com todo o respeito que tenho pelas instituições morais e religiosas.' 'O direito penal é um direito de protecção para que aqui possamos estar em segurança e liberdade.' 'É só isto o direito penal', resumiu. E fez uma revelação: 'Leio talvez demasiados autores alemães e poucos norte-americanos.' 'O jurista alemão está esmagado pela ciência e o norte-americano está em cima da ciência', opinou, provocando risos na assistência.
A beleza do penal
O Direito Penal é a disciplina mais bela do curso de Direito. Essa é a conviccção de Figueiredo Dias, que a transmitia nas aulas de apresentação aos seus alunos. Recordou o desfolhar das páginas de um jornal perante os seus alunos, onde predominavam as notícias sobre crimes e os inúmeros filmes e séries televisivas inspirados no crime e na vida dos magistrados, dos polícias e pessoas a contas com a justiça. 'Não me recordo de um filme sobre direito privado, apesar das OPA... Porquê?', questionou.
'Para além da força dramática do crime, para o penalista há outra sedução extraordinária no direito penal: dá-nos a ilusão de que se está a sondar a condição humana.' Mas alertou, noutro momento do debate: 'A posição do penalista não serve para tudo. É que não há crime nem pena sem lei.'
Desafiado a definir o antónimo de crime, o professor não hesitou: 'É a paz. O crime é um atentado contra a paz.' Mas, ao definir o ilícito penal, Figueiredo Dias foi mais cauteloso: 'O penalista fica na mão com uma pessoa: o criminoso. Aí é toda a condição humana, a pessoa em todos os seus condicionalismos.'
O carácter íntimo do debate era notório. No auditório de Serralves estavam, sobretudo, antigos alunos e colegas de curso de Figueiredo Dias, alguns actualmente empenhados na carreira universitária. O ambiente propiciava revelações íntimas. 'Se não fosse penalista, gostava de ser psiquiatra, mas psiquiatra teórico', confessou Figueiredo Dias. Mais adiante, quando reflectia sobre a 'culpa', o professor precisou posições. 'Se não fosse psiquiatra, não era penalista. Mas sou e trato das questões do homem em sociedade. O psiquiatra não é um médico nem é um padre. É um cuidador da alma', garantiu."
O risco de atentado nuclear é uma realidade e pode concretizar-se, admitiu Figueiredo Dias. 'Vivemos a ameaça de ver desaparecer a vida do planeta', alertou, frisando a utilidade do recurso a agentes encobertos, ou a homens de confiança, para localizar, por exemplo, um terrorista com uma bomba nuclear no bolso nas ruas de Nova Iorque.
A este propósito, Figueiredo Dias realçou a evolução jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - que reconhece a licitude daqueles meios de recolha de prova. 'Não quero que me dêem razão, mas já fico contente que fiquem a pensar nisso.'
No debate com o filósofo António Pedro Pita e com o catedrático de Direito Paulo Ferreira da Cunha, Figueiredo Dias preconizou uma postura interventiva do direito penal. Demarcou-se da Escola de Frankfurt, para quem o 'direito penal não tem nada a ver com isso' [os problemas da sociedade de risco]. Demarcou-se, também, dos que defendem a auto-regulação dos agentes sociais. 'Tenho netos e não quero isso para eles', assegurou.
O penalista, que é o rosto da Escola de Coimbra, também não poupou o securitarismo, bem espelhado em dois slogans: Tolerância zero e À segunda, ficas fora (Twice, you're out). Realçou que nos Estados Unidos está a aumentar a influência da chamada 'socialização do humanismo'. Princípios que já não se circuncrevem aos penalistas das universidades de Yale e de Boston, 'mas também são defendidos em Los Angeles e São Francisco'. 'Recuso-me a acreditar que a humanidade vá por aí', afirmou.
O debate foi iniciado com a clarificação de conceitos. Figueiredo Dias sublinhou que crime não é igual a pecado. O direito penal não é moral e a pena não é uma descida às profundezas dos infernos. 'O meu negócio', explicou. 'É o dos homens, não é o de Deus, com todo o respeito que tenho pelas instituições morais e religiosas.' 'O direito penal é um direito de protecção para que aqui possamos estar em segurança e liberdade.' 'É só isto o direito penal', resumiu. E fez uma revelação: 'Leio talvez demasiados autores alemães e poucos norte-americanos.' 'O jurista alemão está esmagado pela ciência e o norte-americano está em cima da ciência', opinou, provocando risos na assistência.
A beleza do penal
O Direito Penal é a disciplina mais bela do curso de Direito. Essa é a conviccção de Figueiredo Dias, que a transmitia nas aulas de apresentação aos seus alunos. Recordou o desfolhar das páginas de um jornal perante os seus alunos, onde predominavam as notícias sobre crimes e os inúmeros filmes e séries televisivas inspirados no crime e na vida dos magistrados, dos polícias e pessoas a contas com a justiça. 'Não me recordo de um filme sobre direito privado, apesar das OPA... Porquê?', questionou.
'Para além da força dramática do crime, para o penalista há outra sedução extraordinária no direito penal: dá-nos a ilusão de que se está a sondar a condição humana.' Mas alertou, noutro momento do debate: 'A posição do penalista não serve para tudo. É que não há crime nem pena sem lei.'
Desafiado a definir o antónimo de crime, o professor não hesitou: 'É a paz. O crime é um atentado contra a paz.' Mas, ao definir o ilícito penal, Figueiredo Dias foi mais cauteloso: 'O penalista fica na mão com uma pessoa: o criminoso. Aí é toda a condição humana, a pessoa em todos os seus condicionalismos.'
O carácter íntimo do debate era notório. No auditório de Serralves estavam, sobretudo, antigos alunos e colegas de curso de Figueiredo Dias, alguns actualmente empenhados na carreira universitária. O ambiente propiciava revelações íntimas. 'Se não fosse penalista, gostava de ser psiquiatra, mas psiquiatra teórico', confessou Figueiredo Dias. Mais adiante, quando reflectia sobre a 'culpa', o professor precisou posições. 'Se não fosse psiquiatra, não era penalista. Mas sou e trato das questões do homem em sociedade. O psiquiatra não é um médico nem é um padre. É um cuidador da alma', garantiu."
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